sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

OGE 2013 – Desorçamentação e Inconstitucionalidades (I) Por Maka Angola


Por Yela Loanda: http://makaangola.org
As anunciadas medidas de desorçamentação constantes do Artigo 11.º da Proposta de Lei do Orçamento Geral do Estado (OGE) 2013, as quais reservam ao Presidente amplos poderes pessoais para aprovação de despesas sem cabimento orçamental, constituição e gestão de fundos financeiros especiais e de fundos secretos “na área da segurança interna e externa” (em bom português, polícia política e espionagem) dão que pensar.
Em teoria, na doutrina das finanças públicas existem aplicações virtuosas da matéria. A constituição de fundos extra-orçamentais faz sentido em alguns casos. O termo desorçamentação geralmente refere-se a recursos públicos e transações do governo que não estão incluídos no orçamento anual ou não estão sujeitos ao mesmo nível geral de informação, regulação, auditoria que os restantes domínios das finanças públicas. Os fundos extra-orçamentais abrangem uma grande variedade de sectores, mas tradicionalmente eles são aplicados na gestão de fundos de públicos de pensão ou de segurança social, ou detidos por empresas estatais, e de outros fundos discricionários ou secretos. Mais recentemente, têm sido utilizados na gestão prudencial dos recursos públicos de extração de recursos naturais, na gestão da ajuda externa, em operações de cancelamento da dívida, na gestão de receitas de operações de privatização, e na comparticipação estatal em Parcerias Público-Privadas.
No entanto, na maioria dos casos, subjacente à desorçamentação e à criação de fundos autónomos (conhecidos por “sacos azuis”) encontra-se o interesse do governo em manter determinadas rubricas orçamentais longe do escrutínio público.
Como traços distintivos entre uso virtuoso e abuso criminoso dos fundos extra-orçamentais, a ciência das finanças públicas indica os seguintes: a) a validade da justificação para excluir do orçamento um determinado fundo ou operação; b) a adequação e suficiência dos regimes de governança estabelecidos pela lei que autoriza a desorçamentação, para garantir que a gestão dos fundos extra-orçamentais se pauta pelo rigor e prossecução do interesse público; e c) a medida em que os mecanismos de controlo garantem a transparência de gestão e responsabilização dos dirigentes dos fundos autónomos.
No caso da proposta de lei do OGE 2013, a resposta a estes três quesitos é de uma simplicidade desoladora:
- A justificação é omissa;
- As regras de governo são igualmente omissas, sendo deixada à absoluta discrição do Presidente da República a sua eventual criação;
- Igualmente omissos são quaisquer mecanismos de transparência e responsabilização – ao invés, o que a lei se preocupa em garantir expressamente para esta ordem de despesas é o seu “carácter reservado ou secreto” (Art. 11.º, n.º 1).
Estes fundos, na globalidade, podem atingir uma parte considerável das atividades do governo. Em média, a desorçamentação atinge quase 40 por cento das despesas do governo central, em países em transição e no estádio de desenvolvimento de Angola. A maioria desses recursos são fundos de segurança social, que constituem uma média de 26 por cento dos gastos do governo nesses países (Allen e Radev 2006). No entanto, digamos, desde já, que a desorçamentação que o OGE 2013 vai implementar em Angola, quer pela desproporção do desvio de fundos, quer pelo pormenor inaudito numa República – de o Fundo Soberano ser encabeçado por um filho de José Eduardo dos Santos, revela um nível de nepotismo e apropriação dos recursos públicos de difícil paralelo em qualquer outra parte do mundo. Adiante explicaremos porquê, com o pormenor que caso merece.
Devemos distinguir entre os fundos extra-orçamentais que são estabelecidos legalmente e operam dentro das regras das leis orçamentárias e dos outros regulamentos de um país, e as transações que são realizadas fora dessas leis e regulamentos e por isso devem ser considerados operações irregulares. Por exemplo, uma Lei do Fundo de Pensão pode legalmente estabelecer um fundo com orientações específicas que não exigem que ele siga as regras gerais da actividade financeira pública, mas exigem o reporte público da sua gestão, da mesma forma que os restantes gastos governamentais, e sujeitam-no ao mesmo nível de controlo aplicável aos demais fundos públicos. Em contraste, um fundo secreto que é mantido fora do orçamento, tal como o estabelecido no Artigo 11.º, ignorando a regulamentação das finanças públicas e os requisitos de auditoria, pode dar origem a operações ilegais ou irregulares.
Naturalmente, nada impede que os dinheiros públicos sejam geridos de forma eficiente e eficaz, através de fundos extra-orçamentais, e isso acontece em alguns países. Dependendo do caso específico, as operações desorçamentadas são isentas de alguns ou de todos os elementos a seguir indicados que proporcionam um controlo adequado:
- aprovação parlamentar do respectivo orçamento;
- obediência aos regulamentos financeiros em vigor;
- contabilização através de sistemas públicos de contabilidade;
- controlo externo periódico ou no final do ano financeiro; e
- revisão legal pela instituição suprema de auditoria (no caso angolano, Tribunal de Contas).
As transações fora do orçamento não são susceptíveis de sujeição ao mesmo tipo de disciplina financeira das restantes operações orçamentais (por exemplo, empresas estatais podem ter regras financeiras especiais e nomear os seus próprios auditores), em parte porque serem financeiramente independentes e em parte porque são explicitamente isentos de algumas regras aplicáveis aos demais gastos públicos. Isso pode resultar num aumento do nível de fraude, irregularidades, ou na utilização desses fundos para fins não-autorizados. Além disso, no uso de recursos extra-orçamentários, o nível relatado de gastos do governo pode ser subestimado.
Nos próximos artigos de análise sobre o OGE verificaremos de que forma a proposta de lei para 2013 se afasta destes princípios, violando aliás a Constituição Financeira de Angola, e abordaremos as boas práticas (e também algumas das más) dos estados africanos nesta matéria.
Para os mais leitores mais interessados por estas matérias das finanças públicas, deixamos entretanto alguma bibliografia, acessível via internet:

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